Um dia de cada vez
Quando em certas alturas da vida tudo nos parece esplêndido, formidável, perfeito, julgamo-nos capazes de tudo. Para ajudar a reforçar a ideia, quando estamos grávidas sentimo-nos imbatíveis, as mais fortes, mais corajosas, derrubamos um "gigante" se for preciso. Somos as super-mulheres. Passamos uma vida inteira a tentar sê-lo. Mas há certos momentos em que, mesmo no limiar inquebrável das nossas fraquezas, precisamos levar um "abanão" para que passemos a viver e a apreciar o valor de determinadas coisas, de uma outra forma. Mudei de casa recentemente. A semana que apanhou os feriados de 13 e 15 de Junho foi passada a desmontar, separar, encaixotar, ao fim ao cabo todo o processo fisicamente desgastante que uma mudança de casa implica. Não sou nada teimosa (longe de mim) e, portanto, decidi contrariar tudo e todos e ajudei a carregar caixotes, subi e desci bancos milhentas vezes, enfim, fiz tudo aquilo que não devia. Por mais que o tentasse contrariar, sabia e tinha a perfeita noção que estava no limite das minhas forças. A meio da noite de quarta-feira, 14, acordei com umas dores abdominais fortíssimas (semelhantes às dores menstruais mas mais fortes), que me levaram de imediato ao hospital. Madrugada -urgências -dores e mais dores...os médicos suspeitaram logo de descolamento da placenta mas descartaram a hipótese de imediato uma vez que não apresentava sangramento. Injeccção para aliviar as dores -eco de urgência e finalmente a resposta que tanto esperavamos ouvir, estava tudo bem com a M., batimento cardíaco normal, bons reflexos nos movimentos...Segundo o médico que me assistiu, as dores intensas que senti foram, provavelmente, um reflexo do excesso de esforço que fiz. Depois de dois dias internada (apenas para vigilância do meu estado) voltei para casa mas com uma condição imprescindível, repouso absoluto. De outra maneira também teria sido impossível, doía-me o corpo todo, mal me conseguia mexer, parecia que me tinha passado um tractor por cima. Apesar de já me sentir um pouco melhor, estou expressamente proibida de voltar ao trabalho até ao final da gravidez, porque devido ao esforço exagerado que cometi fiquei com a zona pélvica bastante sensível e qualquer tipo de esforço maior poderia ocasionar o descolamento. A ordem é para descansar o mais possível -de preferência na horizontal, não permanecer muito tempo de pé (mesmo que o quisesse não consigo, canso-me facilmente se exceder os 10 minutos, se tanto), estou proibida de fazer tudo (acho mesmo que não houve nada que o médico não me proibisse de fazer) e assim estamos, já há duas semanas. O objectivo é conseguir manter a filhota no quentinho o máximo de tempo possível, isto porque, segundo revelou a eco de urgência, a M. é ainda muito pequenina para nascer nos próximos tempos. Não que não tenha elevadas probabilidades de sobrevivência, mas porque segundo o médico, em casos de risco de descolamento da placenta (como é agora o meu), sempre se torna preferível prevenir que remediar. Desde que recebi alta que passei a ser vigiada regularmente pelo médico, tornou-se estrictamente obrigatório. Nas últimas semanas tenho feito um "batalhão" de exames e análises, de forma a controlar o meu estado de saúde e a evolução da gravidez e, felizmente, os resultados têm demonstrado estar tudo bem com a minha filha. Neste momento, a principal preocupação é comigo, a tensão está baixíssima (9 de máxima), o nível de glicose/glicémia no sangue idem,idem e o cansaço (este maldito cansaço que não me larga) também não tem propriamente ajudado. Suplementos de ferro e ácido fólico, vitaminas e doses recarregáveis de descanso, para passar a tomar diariamente. Tenho cumprido à risca todas as recomendações médicas -não quero ter de voltar a passar pelo mesmo -por vezes, tenho momentos em que me sinto terrivelmente culpada, poderia ter evitado toda a situação se não tivesse sido teimosa e irresponsável q.b. Mas é cometendo erros que a vida se encarrega de nos ensinar outras coisas, igualmente importantes, como a calma, a serenidade e a paz de espírito. Deixei de me preocupar com o que poderá acontecer "amanhã". Neste momento, a saúde da minha filha é a minha prioridade. Não vou negar que estar o dia todo em casa, de cama, não é um tédio (ainda para mais quando estava habituada a um ritmo de vida intenso mas o qual, reconheço agora, deveras desgastante). Inevitavelmente, pelas piores razões, esta experiência "mexeu" comigo, com a forma como vejo o mundo e encaro a vida. Estou a aprender a ser mais tolerante comigo mesma (e com os outros também), a dar valor a momentos que antes, se calhar, deixava que me passassem ao lado, a tomar consciência que, por vezes, há certas coisas pelas quais não vale a pena aborrecermo-nos. Estou sobretudo a aprender a cada dia que passa, a viver o presente, sem pressas, nem atitudes precipitadas. O que tiver de ser será, e afinal, o que são dois meses? O tempo passa num ápice, e se tudo correr bem, daqui a nada já tenho a minha filha nos meus braços. Até lá vamos prosseguindo as duas a nossa caminhada, dando tempo ao tempo, sem dar passos em falso, e vivendo um dia de cada vez...