Medos
Nunca fui uma pessoa de medos. Sempre soube muito bem o que queria da vida. Desde que a C. foi internada que mudei completamente nesse sentido. Sinto-me fragilizada, insegura, por vezes nem sei bem para onde hei-de me virar. É estranho. As minhas filhas são o que de mais precioso levo da vida e custa-me, só de pensar, que lhes possa acontecer alguma coisa. Tenho notado que esta experiência fez com que passasse a ter uma atitude mais protectora em relação a elas. Não gosto de deixar a minha filha no hospital, sozinha. Na verdade ela nunca está sozinha, nas noites em que venho dormir a casa está o G. com ela, ou uma das avós. Sei que ela nunca está verdadeiramente sozinha, que tem pessoas que a amam à volta dela, mas eu não estou lá, entendem? Sinto que de alguma forma, a deixei entregue a si própria. Nestes momentos tudo pode acontecer e a ideia persistente, por vezes doentia até, de que ela possa querer dizer-me alguma coisa, ou querer também que eu lhe diga algo quando não estou por perto, só a ideia, assusta-me. E talvez daí a justificação para as dúzias de telefonemas que faço do carro ainda a caminho de casa. Faço o possível para estar o máximo de tempo junto dela, mas sei que a M. também é minha filha e ainda é muito dependente de mim. Tenho tentado desdobrar-me em mil para não faltar a nenhuma. Como se fosse possível...No fundo, sei que quando estou com a Maria a C. sente a minha falta, mas que quando estou com ela a M também pressente que não estou por perto. Sinto que estou a perder muita coisa importante do desenvolvimento da M. e não queria. Não posso levá-la para o hospital, por razões óbvias. Mas há momentos em que queria tanto tê-la ali comigo, connosco. E a C diz-me todos os dias que tem tantas saudades da mana...Queria tanto que elas estivessem juntas, nem que fossem uns míseros 5 minutos. Queria também entender o porquê de me sentir tão insegura. Não percebo de onde vieram todas estas inseguranças, assim, tão de repente. Não quero ter de voltar a casa às dez da noite, e a única imagem que tenho da minha bebé é quando ela já está a dormir. Aliás, é essa a imagem mais recorrente que tenho da M passados 2 meses de vida. Dois meses? Já? E onde estive eu nestes 2 meses que nem dei conta de os ver passar? É como se a Maria me fizesse essa pergunta com o olhar, todos os dias, quando finalmente tenho algum tempo para estar com ela. Sinto-me culpada, por mais que todos me digam que isso não tem qualquer cabimento. Quando chego a casa a avó ou o pai já lhe deram banho, já a deitaram. Cabe-me a mim a tarefa de dar-lhe o 1º biberão da noite. E nas últimas noites ela tem chorado tanto...Por mais que tente, não consigo dissociar este choro da minha falta de disponibilidade para estar com ela. [Outra vez as inseguranças, perfeitamente dispensáveis]. Estou tão cansada. Não tenho vontade para fazer nada, e eu que outrora cheguei a ser apelidada de mulher dos sete ofícios. Não sou mais. Deixei-me ir abaixo, escorreguei completamente. E agora está difícil de conseguir endireitar-me. Preciso de livrar-me destes medos e seguir em frente. Mas não sei onde deixei as forças. Sinto-me prostrada, em todos os sentidos. Estou farta de me desfazer em desculpas para justificar esta minha pseudo-fragilidade. Tenho saudades de mim. A impressão que tenho é que ultimamente não tenho vivido no verdadeiro sentido da palavra. Sinto que estou a deixar a vida passar-me ao lado. Ando numa correria. Há mais de um mês que não tenho 1 minuto para mim. Nem para os que amo, para o G, essencialmente. Sinto-me sempre de rastos. Nos últimos dias, e porque a C também já começa a passar melhor as noites, tem ficado uma das avós com ela, uma noite ou outra. Porque eu e o pai por mais que nos esforçemos, andamos exaustos também. Mesmo assim não descanso praticamente nada. Passo a noite toda em sobressalto com medo que aconteça alguma coisa. [De novo estas terríveis inseguranças]. Porque sinto falta da minha filha. De passar-lhe a mão pelo cabelo, de aconchegar-lhe a mantinha ao peito, de ouvir-lhe a respiração, de sentir que está tudo bem. De manhã saio cedinho de casa, deixo a M a dormir com o pai e sigo para o hospital. Deixo-a sempre deitada com ele para quando acordar não sentir a minha falta, não se sentir sozinha. Custa-me tanto. Deixá-la, deixá-los. Custa-me ver que ao mesmo tempo que me despeço a vida segue lá fora, o tempo passa e a M. muda a cada instante, as feições, o olhar, as expressões, os gestos. Queria tanto absorver esta fase, que sei que não vai esperar por mim. E tento despachar-me o mais depressa que posso, deixar o biberão preparado, as fraldas, a roupinha para o pai vestir-lhe, a casa mais ou menos apresentável. Faço-me à estrada e apetece-me passar vermelhos, Stops, tudo. Não pareço eu. Enquanto isso, a C espera ansiosa por mim no hospital. E eu ainda mais ansiosa acelero o mais que consigo. Não gosto de a fazer esperar muito. É assim que tenho vivido a minha rotina. À velocidade de um sinal luminoso, a diferença é que com muito poucas paragens. Queria tanto poder compensá-las às duas pela minha disponibilidade insuficiente, pela escassez instantânea dos momentos que passamos juntas, apesar desta minha tentativa constante de querer fazer sempre tudo e mais alguma coisa e ao mesmo tempo tentar ser omnipresente. Porque estou com elas em presença, mas sinto que não estou totalmente presente. Ando esgotada. Fisica e psicologicamente. O que me vale é que a minha filha está a melhorar a olhos vistos, felizmente. E que tenho um marido compreensivo, carinhoso, pai dedicado. E uma família imensa a apoiar-me, e ainda um grupo de verdadeiros amigos que faz questão de estar sempre presente. Se assim não fosse, não sei o que seria de mim. Estou farta de ter estes medos, viver cercada em receios e inundar-me de culpas por todos os lados. Não é assim que quero que as minhas filhas me vejam. Não é assim que quero que o meu marido me olhe. Há dias, houve alguém que me disse que tudo isto vai passar, que estou a ser demasiado exigente comigo própria. Na verdade sempre fui. Tomara que seja isso.
[Este blogue também serve para desabafos patetas, ocasionalmente]
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