O dia a dia de uma mamã e das suas Borboletas...

quinta-feira, outubro 26, 2006

Medos

Nunca fui uma pessoa de medos. Sempre soube muito bem o que queria da vida. Desde que a C. foi internada que mudei completamente nesse sentido. Sinto-me fragilizada, insegura, por vezes nem sei bem para onde hei-de me virar. É estranho. As minhas filhas são o que de mais precioso levo da vida e custa-me, só de pensar, que lhes possa acontecer alguma coisa. Tenho notado que esta experiência fez com que passasse a ter uma atitude mais protectora em relação a elas. Não gosto de deixar a minha filha no hospital, sozinha. Na verdade ela nunca está sozinha, nas noites em que venho dormir a casa está o G. com ela, ou uma das avós. Sei que ela nunca está verdadeiramente sozinha, que tem pessoas que a amam à volta dela, mas eu não estou lá, entendem? Sinto que de alguma forma, a deixei entregue a si própria. Nestes momentos tudo pode acontecer e a ideia persistente, por vezes doentia até, de que ela possa querer dizer-me alguma coisa, ou querer também que eu lhe diga algo quando não estou por perto, só a ideia, assusta-me. E talvez daí a justificação para as dúzias de telefonemas que faço do carro ainda a caminho de casa. Faço o possível para estar o máximo de tempo junto dela, mas sei que a M. também é minha filha e ainda é muito dependente de mim. Tenho tentado desdobrar-me em mil para não faltar a nenhuma. Como se fosse possível...No fundo, sei que quando estou com a Maria a C. sente a minha falta, mas que quando estou com ela a M também pressente que não estou por perto. Sinto que estou a perder muita coisa importante do desenvolvimento da M. e não queria. Não posso levá-la para o hospital, por razões óbvias. Mas há momentos em que queria tanto tê-la ali comigo, connosco. E a C diz-me todos os dias que tem tantas saudades da mana...Queria tanto que elas estivessem juntas, nem que fossem uns míseros 5 minutos. Queria também entender o porquê de me sentir tão insegura. Não percebo de onde vieram todas estas inseguranças, assim, tão de repente. Não quero ter de voltar a casa às dez da noite, e a única imagem que tenho da minha bebé é quando ela já está a dormir. Aliás, é essa a imagem mais recorrente que tenho da M passados 2 meses de vida. Dois meses? Já? E onde estive eu nestes 2 meses que nem dei conta de os ver passar? É como se a Maria me fizesse essa pergunta com o olhar, todos os dias, quando finalmente tenho algum tempo para estar com ela. Sinto-me culpada, por mais que todos me digam que isso não tem qualquer cabimento. Quando chego a casa a avó ou o pai já lhe deram banho, já a deitaram. Cabe-me a mim a tarefa de dar-lhe o 1º biberão da noite. E nas últimas noites ela tem chorado tanto...Por mais que tente, não consigo dissociar este choro da minha falta de disponibilidade para estar com ela. [Outra vez as inseguranças, perfeitamente dispensáveis]. Estou tão cansada. Não tenho vontade para fazer nada, e eu que outrora cheguei a ser apelidada de mulher dos sete ofícios. Não sou mais. Deixei-me ir abaixo, escorreguei completamente. E agora está difícil de conseguir endireitar-me. Preciso de livrar-me destes medos e seguir em frente. Mas não sei onde deixei as forças. Sinto-me prostrada, em todos os sentidos. Estou farta de me desfazer em desculpas para justificar esta minha pseudo-fragilidade. Tenho saudades de mim. A impressão que tenho é que ultimamente não tenho vivido no verdadeiro sentido da palavra. Sinto que estou a deixar a vida passar-me ao lado. Ando numa correria. Há mais de um mês que não tenho 1 minuto para mim. Nem para os que amo, para o G, essencialmente. Sinto-me sempre de rastos. Nos últimos dias, e porque a C também já começa a passar melhor as noites, tem ficado uma das avós com ela, uma noite ou outra. Porque eu e o pai por mais que nos esforçemos, andamos exaustos também. Mesmo assim não descanso praticamente nada. Passo a noite toda em sobressalto com medo que aconteça alguma coisa. [De novo estas terríveis inseguranças]. Porque sinto falta da minha filha. De passar-lhe a mão pelo cabelo, de aconchegar-lhe a mantinha ao peito, de ouvir-lhe a respiração, de sentir que está tudo bem. De manhã saio cedinho de casa, deixo a M a dormir com o pai e sigo para o hospital. Deixo-a sempre deitada com ele para quando acordar não sentir a minha falta, não se sentir sozinha. Custa-me tanto. Deixá-la, deixá-los. Custa-me ver que ao mesmo tempo que me despeço a vida segue lá fora, o tempo passa e a M. muda a cada instante, as feições, o olhar, as expressões, os gestos. Queria tanto absorver esta fase, que sei que não vai esperar por mim. E tento despachar-me o mais depressa que posso, deixar o biberão preparado, as fraldas, a roupinha para o pai vestir-lhe, a casa mais ou menos apresentável. Faço-me à estrada e apetece-me passar vermelhos, Stops, tudo. Não pareço eu. Enquanto isso, a C espera ansiosa por mim no hospital. E eu ainda mais ansiosa acelero o mais que consigo. Não gosto de a fazer esperar muito. É assim que tenho vivido a minha rotina. À velocidade de um sinal luminoso, a diferença é que com muito poucas paragens. Queria tanto poder compensá-las às duas pela minha disponibilidade insuficiente, pela escassez instantânea dos momentos que passamos juntas, apesar desta minha tentativa constante de querer fazer sempre tudo e mais alguma coisa e ao mesmo tempo tentar ser omnipresente. Porque estou com elas em presença, mas sinto que não estou totalmente presente. Ando esgotada. Fisica e psicologicamente. O que me vale é que a minha filha está a melhorar a olhos vistos, felizmente. E que tenho um marido compreensivo, carinhoso, pai dedicado. E uma família imensa a apoiar-me, e ainda um grupo de verdadeiros amigos que faz questão de estar sempre presente. Se assim não fosse, não sei o que seria de mim. Estou farta de ter estes medos, viver cercada em receios e inundar-me de culpas por todos os lados. Não é assim que quero que as minhas filhas me vejam. Não é assim que quero que o meu marido me olhe. Há dias, houve alguém que me disse que tudo isto vai passar, que estou a ser demasiado exigente comigo própria. Na verdade sempre fui. Tomara que seja isso.

[Este blogue também serve para desabafos patetas, ocasionalmente]

segunda-feira, outubro 23, 2006

Prometi...

à minha filha que apartir de hoje não voltaria a chorar. Não volto.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Está tudo bem!

É estranho voltar a escrever aqui depois de tanto tempo completamente afastada de tudo isto, e de quase tudo o resto para ser sincera. Peço desculpa se preocupei alguém durante este período de afastamento forçado. A verdade é que desde que me vi envolvida no meio de todo este pesadelo, que tenho vivido o dia-a-dia no limiar das minhas forças, na fronteira das minhas reais capacidades, e pior, ignorando os sinais evidentes de cansaço e as possíveis repercussões dos mesmos. Até que me deixei ir abaixo, completamente. Caí no fundo do poço literalmente. Não tenho vergonha de dizê-lo. E estranho seria se conseguisse passar por tudo isto sem uma ou outra mazela mais profunda. Precisei de descanso, tambem. De repente, vi-me obrigada a cuidar mais de mim do que até agora tenho cuidado dos outros. E tive de passar mais noites a descansar em casa, por ordem médica, em vez de dormir ao lado dela no hospital. Por mais que isso me custasse muito, e nos custasse ainda mais a ambas. Precisei de descansar a cabeça e o corpo, e dormir aquilo que já não dormia há muitos dias. Não sou de ferro. Daí esta minha ausência. Volto a pedir desculpa se deixei alguém preocupado. Mas confesso que não estava mesmo em condições, nem físicas muito menos psicológicas, para escrever o que quer que fosse. Espero que compreendam.
A C. continua internada, ainda. Não sei se será correcto dizer que esteja melhor...Melhor é uma palavra enganosa, porque melhor no verdadeiro sentido do termo, ela ainda não está. Mas pode dizer-se que está a melhorar, muito vagarosamente, mas está. Parou 2ªfeira com a toracentese. As últimas radiografias têm mostrado que o pulmão está limpinho, livre de quaisquer fluídos. Espero que assim permaneça. Só o facto de ela não ter de se submeter mais a todo aquele processo moroso e doloroso, já me tira um grande peso dos ombros. A principal preocupação agora, é com a febre alta que tem teimado em aparecer nos últimos dias. E com a tosse que vem fortissima e lhe dói no peito. Tem os brônquios cheios de expectoração e custa-lhe tanto deitar tudo para fora...chora porque sofre imenso ao não conseguir fazê-lo. Continua a soro, inevitavelmente. Já começa a comer qualquer coisa. Com sorte umas 3 a 4 colheres de sopa, com muita sorte um bocadinho de peixe e metade de uma batata cozida. Ainda assim, muito pouco. Está com 16 kg. Para quem tinha quase 20. Apesar de tudo noto que, aos poucos, as melhoras estão a chegar. Muito devagarinho, mas vêm. Tudo a seu tempo, como nos disse a médica. Na realidade não vejo a hora de ver a minha filha totalmente recuperada. De a poder levar para casa, para junto de mim, do pai e da mana. É tão estranho quando entro em casa de noite e não a vejo. Parece tudo um vazio tão grande...Não consigo evitar o choro. Sinto falta dos pulos, dos saltinhos nos sofás e nas camas, os mesmos de que passo a vida a ralhar, da correria pelos corredores, das brincadeiras, das traquinices, do riso contagiante...Sinto saudades das gargalhadas tontas, do sorriso...tantas! Acima de tudo do sorriso da minha filha. Espero que possamos sorrir juntas dentro em breve. E quero acreditar que seja o mais breve possível.
A Constança está a recuperar e só isso já é meio caminho andado para tanto eu como o pai nos mantermos optimistas. Da minha parte resta-me continuar a cuidar dela, a dar-lhe toda a atenção do mundo, a fazer-lhe miminhos quando a temperatura aumenta, a dar-lhe colo sempre que é preciso, a estar presente em todos os momentos, a ler-lhe histórias antes de adormecer, a dar-lhe massagens para aliviar as dores no peito, a fazer o possível para que ela não sinta isto como chegou a sentir em alturas menos boas. Vou continuar a tentar fazer o melhor que posso. Para que tudo seja mais fácil não só para mim, mas sobretudo para ela, para todos. Só tenho pena que a Maria saia prejudicada no meio de tudo isto. Porque queria ter muito mais tempo para passar com ela. Porque queria igualmente, enchê-la de mimos e atenção. Porque queria dar-lhe o mundo. Porque sei que apesar de ela ainda nem ter dois meses, tem sentido um pouco de tudo também. Porque ela não tem culpa de nada, muito menos da minha falta de disponibilidade. E queria poder compensá-la nas poucas horas em que estamos juntas, de alguma forma que ainda estou a tentar descobrir...Sinto que estou em falta. Porque me deixei desmoronar aos poucos, e agora nem leite tenho para lhe dar. Porque o peso desta mutilação foi suficiente para me derrubar mais um pouco, o resto que ainda restava de mim. Afinal era a única coisa que me fazia sentir viva ultimamente. Estou a dar-lhe o Nutribén Natal, por indicação da pediatra. Ainda estamos em fase de adaptação. E em processo de negação, as duas. Tudo a seu tempo, como diz a Drª que acompanha a C. E de facto, o tempo pode não curar grandes males mas sempre ajuda a amenizar outros. Tenho de dizer isto, está enorme e linda. Quero lá saber se sou ou não suspeita. É a minha bebé pequenina e a cada dia que passa sinto o meu coração crescer tanto cada vez que a vejo. Acho que é isso o melhor de ter-se filhos, preenchem-nos a alma como nunca ninguém irá preencher. E estão connosco sempre, mesmo quando não estão ao nosso lado. É nisso que tento pensar quando não estou com a M., ou quando não estou com a C, ou vice-versa. E é essa esperança de vê-las de novo juntas que me faz acreditar que esse dia já não estará tão longe assim.

Não tenho palavras para agradecer a imensidão de apoio, força, carinho, que tenho recebido de todos vocês. Obrigada pelas mensagens de esperança, e-mails e todo o tipo de incentivos que me fizeram chegar ao longo dos últimos dias, dias que foram particularmente difíceis para mim e para a minha família. É bom saber que tenho tanta gente a apoiar-me nesta luta diária, a dar-me força para continuar a seguir em frente mesmo quando o caminho mais fácil seria desistir. Pois bem, eu não desisto nunca. Pelo menos não tão facilmente. [E agora vou ter de arranjar tempo-extra para ler as 149 mensagens que enchem a minha Inbox. Prometo que mais cedo ou mais tarde respondo aos e-mails que me foram enviados] Um Obrigada enorme por estarem do nosso lado.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Sem título

Por mais que quisesse voltar aqui e ter só coisas boas para contar, por mais que anseie fazê-lo, não posso. Em 13 dias de internamento o quadro clínico não tem apresentado melhoras, pelo contrário, estagnou completamente. Com a agravante que, no início da semana, descobriu-se que o pulmão esquerdo tem vindo a reter uma quantidade considerável de líquido (pus) o que explica a constante falta de ar que ela tem vindo a demonstrar ao longo dos últimos dias. Tem feito exames atrás de exames. Já começou com a toracentese (processo de extracção do líquido do pulmão através de um sistema de aspiração). É lhe dada uma anestesia local na zona das costelas (e só eu sei a quantidade de mecanismos que são precisos para conseguirem convencê-la a permanecer quieta e poderem administrar-lhe a anestesia). É uma luta. Um momento complicadissimo para ela, para mim. Tem uma agulha espetada na mão o dia inteiro, não gosta nem quer que lhe espetem mais nenhuma. Compreendo-a, tão bem. Inserem-lhe um cateter por debaixo do braço que ligam a um aparelho de drenagem, e aos poucos, vão retirando o líquido. Tem sempre a minha mão e a do pai por perto para amenizar o ambiente, já por si, deveras intimidante para uma criança de 4 anos. E custa-me tanto ouvi-la chorar daquela forma. A cara lavada em lágrimas, um soluçar desconcertante que me rouba o sono de noite. Está fraquinha. Não come nada, e quando digo nada é nada mesmo. Só tem bebido água, leite, e ultimamente chá. Por mais que tentemos que ela coma um pedaçinho de alguma coisa, por mais que nos cansemos de insistir, vira sempre a cara. Se não estivesse a soro...Não quero pensar. Está magrinha. A cara, as bochechas, as pernitas rechonchudas, as mesmas a que me habituei desde sempre, estão 1/3 do que eram. E está triste. Muito. Não quer estar ali, deitada numa cama a soro, dias a fio. Pede-me todos os dias para ir para casa. O que me resta dizer-lhe nestas alturas? Respondo sempre que já falta pouco, por mais que me custe mentir-lhe. Só na manhã de ontem é que a médica nos deu luz verde para levá-la até à salinha de convívio. Não quis que a levassemos antes com receio que pudesse apanhar algum tipo de micro-organismos potencialmente perigosos, através da respiração, o que é sempre uma posibilidade num ambiente fechado onde se encontram outras crianças doentes. Nem quis brincar com elas. Cansa-se facilmente. Deitou-se no meu colo e adormeceu a ver os desenhos animados. Voltou a pedir-me a chucha, logo na 2ª noite que passámos no hospital. Não recusei. Faço o que for preciso para vê-la bem de novo. De mim, nem vale a pena falar. Estou uma lástima. Doem-me as costas. Não durmo 1 noite seguida há mais de duas semanas, se contar com os dias em casa antes do internamento. Estou esgotada, física e psicologicamente. Não tenho cabeça para nada. A minha rotina resume-se a percursos de ida e volta ao hospital. Deixei de ter vida própria. Quando não fico a dormir com ela, dorme o pai. E custa-me tanto vir embora, mesmo deixando-a nas melhores mãos que a podem receber. Espero sempre que ela adormeça primeiro, para não me ver sair. E venho embora de consciência pesada, como se de alguma forma a estivesse a abandonar de mim, da minha presença física, do meu aconchego. Chego a casa de noite. Tomo duche, janto qualquer coisa. O G já deu banho à M. antes de sair para o hospital. A avó já a deitou no berço. Está a dormir a maior parte das vezes, quando chego. Dou-lhe de mamar antes de me deitar. É o único momento do dia em que consigo sentir alguma tranquilidade interior. Volto a deitá-a no berço e sinto que tenho estado a perder tanto, tanta coisa...Fico a olhar para ela fixamente, enquanto o sono não chega. Noto que está diferente, maior, mais redondinha. Os olhos estão a ficar azuis como os do pai e da mana. E quero registar-lhe as feições que teimam em mudar a cada instante, respirar-lhe eternamente aquele cheirinho a bebé, que sei que não vai durar sempre. Nunca senti tanta necessidade de fazê-lo como agora. Mas sinto-me tão cansada, e por mais que o corpo o exija, custa-me tanto a adormecer...Não consigo deixar de pensar na C. 1 segundo que seja. Não consigo tirar os olhos da M porque a vejo tão pouco...Tenho saudades das minhas filhas. Como nunca tive.

Obrigada pelas palavras de ânimo e pelas mensagens de força que aqui têm deixado. Sabe bem sentir que de alguma forma, não estamos sozinhos nisto.