Dou por mim tantas vezes a fazer-me esta pergunta, e por mais que tente, não consigo encontrar resposta. Chego a pensar que às vezes, até pode parecer um gesto altruísta da minha parte questionar-me sobre isso. Porque há tantas pessoas em situações tão graves, ou piores ainda, que procuram o resto de uma vida por uma resposta, e essas sim, mereciam obtê-la. Porque por mais que tente buscar todas as razões possíveis e imaginárias, sinto que apesar de não parecer o tempo passa depressa demais e talvez tenha receio de me confrontar com uma resposta insuficiente. Porque apesar de tudo o que temos vindo a passar no último mês e meio, sei que ela tem melhorado a olhos vistos e que vai ficar boa. É nisso que tenho de me concentrar. Durante os ultimos 46 dias passados no hospital tenho privado com outras mães, outras crianças, tantas em situações tão graves ou piores que a da minha filha. Uma das coisas mais importantes que tenho absorvido desses encontros resume-se ao momento. A viver o momento. Levei um estalo de realidade e percebi como subitamente, a vida pode ser tão frágil, sem que nos apercebamos disso. Aprendi por exemplo, que tentar procurar o "porquê", a tal razão de as coisas nos acontecerem, não vai fazer de mim uma pessoa altruísta. Tenho direito a questionar-me. Todas temos, não é S.? Mas a maior aprendizagem, das muitas que fiz até agora, tem a ver com os sentimentos. Demonstrá-los, sem medos. Nunca fui uma pessoa de choro fácil. Sempre tive um certo constrangimento em derramar as mágoas frente a alguém, mesmo que conhecido. Sempre chorei em privado. No momento em que me desfiz em receios frente a toda uma ala pediátrica, senti que me fez bem ao espírito, como uma espécie de limpeza à alma. Apartir desse momento senti um peso enorme sair-me de cima, como se me esvaziasse de incertezas e quaisquer ressentimentos. Tropecei, caí, e tive tantas mãos amigas a ajudarem-me a levantar. Um apoio imenso, como nunca esperei ter. Cresci. Amadureci, de facto. Ela também. Está mais crescida interiormente, talvez um pouquinho crescida demais para apenas os 4 anos que sustenta. Todas as noites, vai despedir-se dos outros meninos aos seus quartos e diz-lhes que todos vão ficar bons. Que ela já está quase boa. Que já pode andar pelos corredores porque este soro agora tem rodinhas. Voltamos para o nosso quarto, de mãos dadas. Damos boa noite às senhoras da branca de neve, como ela chama às enfermeiras. Ficamos no 2º quarto, à esquerda. O que tem uma mantinha rosa na cama e uma boneca de pano à cabeceira, que o pai lhe trouxe de presente logo nos primeiros dias. Chamou-lhe Clarinha. Não a largou desde então. A enfermeira chega e pergunta se está tudo bem. Fecha os estores. Conto-lhe uma história. Diz-me que tem saudades da mana. Imensas. Da cama dela até ao quarto do J. E o quarto do J é o último ao fundo do corredor. Ela também tem tantas saudades tuas, mimo-a. Não a levo lá por motivos óbvios. O sono vence o cansaço e adormecemos as duas. O livro aberto. A enfermeira acorda-me para dizer que o G já vem a subir. Têm sido excepcionais connosco. Com ela. Médicos, enfermeiras, todos. Sinto que ganhei mais uma família. Despeço-me dela, o G. olha-me nos olhos e diz-me que preciso mesmo de descansar. Um abraço tão bom...Vou para casa. Na ala pediatrica reina um silêncio absoluto. De vez em quando, vêem-se uma ou duas enfermeiras passar. Entro no elevador. A minha bebé está em casa, à minha espera. No caminho aproveito o sinal vermelho para acender um cigarro e organizar as ideias. Sim, voltei a fumar, após quase 6 anos de total abstinência. Um facto do qual não me orgulho, em nada. Chego, finalmente. Nem sei como não adormeci ao volante. A avó vai embora e ficamos só as duas. Deixo-a deitada no ovo enquanto tomo duche. Esboça um sorriso rasgado(lindo), em direcção a mim. Como se tentasse compensar-me pelo que tenho perdido. Já no quarto, apago a luz. Deito-a a meu lado na cama e não consigo evitar. Sei que tinha prometido não voltar a chorar. E nem sei bem porque choro, ao certo. A M. cheira bem, está espevitada, desperta. Dá-me uma bofetada com uma das mãos na cara. Não quero que chores, parece querer dizer. Com a outra ameaça puxar-me os cabelos. Deixo. Abre a boca no meu nariz. Estou exausta, digo-lhe que não tenho mais pedalada. Encosto-a ao meu peito e ela começa a chuchar a minha pele. Ainda não se esqueceu. O pouco leite que ainda restava secou. Dei-lhe o peito na mesma, para ver se a acalmava. Adormeceu, há cerca de meia hora. Prometi-lhe que se fosse possível, amanhã iamos ver a mana. Mesmo que seja lá em baixo, da rua, só através da janela. Vai ser uma surpresa.